A SAGA DE CHICO MENDES



Clenaldo Freire Monteiro

Denise Schulthais dos Anjos Monteiro

Apresentação


A presente pesquisa surgiu da necessidade de levar às crianças, jovens e adultos um pouco da história de Francisco Alves Mendes Filho, o " Chico Mendes", filho da floresta brasileira, que por ela lutou , e pagou com a própria viva a sua perseverança em fazer deste mundo um espaço melhor para se viver.


Sua luta não se resumiu a melhorar as condições de vida do homem trabalhador, mas foi muito além. Ele lutou pela melhoria de vida de todas as pessoas do planeta, e por isso teve seu nome reconhecido internacionalmente e ganhou vários prêmios. O premio maior, entretanto, não está nas condecorações e nos discursos em que foi homenageado. Está na conscientização de que a vida tem maior valor quando se cuida da natureza.


Infelizmente enquanto Chico Mendes cuidava da vida da floresta, não cuidaram de sua vida. Hoje ele já não está entre nós e não faz parte da comunidade terrena, mas as sementes que plantou germinaram. Isso é que faz a sua vida tão breve ter tido um grande valor.


CRONOLOGIA


1944-Nasce Francisco Alves Mendes Filho

1962- Chico conhece Euclides Fernando Távora, seu mestre

1962- Aos dezoito anos Chico inicia seu processo de alfabetização

1970- 1975- Chegam os fazendeiros do sul

1975- Eleito secretário geral do sindicato

1975- Início do processo de organização dos primeiros sindicatos rurais

1976- É realizada a primeira "trincheira"

1977- Eleito vereador pelo MDB

1977- Participa da fundação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri

1979- Chico Mendes transforma a Câmara Municipal num grande fórum de debates

1979-Acusado de subversão é submetido a interrogatórios, sendo torturado.

1980- Assassinato do grande líder Wilson Pinheiro

1980- É enquadrado na Lei de Segurança Nacional

1980- Surge o "empate"

1982- Chico Mendes é candidato a Deputado Estadual pelo PT

1985- Criação do Conselho Nacional dos Seringueiros

1985- Primeiro Encontro Nacional de Seringueiros (Brasília)

1987- Chico denuncia a devastação ao senado norte-americano.

1987- Chico Mendes é premiado pela ONU como um dos mais importantes defensores da natureza

1987- Chico recebe prêmios e reconhecimentos nacionais e internacionais.

1987- Membros da ONU visitam Xapuri e comprovam a devastação da floresta

1988- Criação da Primeira Cooperativa Agoextrativista

1988- É aprovada por aclamação a tese " Em defesa dos povos da floresta"

1988- Terceiro Congresso Nacional da CUT

1988- Morre Chico Mendes


1-QUEM FOI CHICO MENDES


Francisco Alves Mendes Filho nasceu em 15 de dezembro de 1944, no Seringal Porto Rico, Xapuri, no Acre. Desde os primeiros anos de vida, já acompanhava o pai, com quem aprendeu o ofício.


Conhecido por "Chico Mendes", filho de um nordestino, não teve oportunidade de aprender a ler e escrever quando criança. Seu grande mestre foi Euclides Fernando Távora, que o ensinou a ler nos sábados e domingos, quando Chico já tinha cerca de dezoito anos de idade. Távora era um ex-oficial do Exército, um exilado político, com vinte e poucos anos, que vivia na selva, na clandestinidade que garantia sua liberdade.


O material usado para sua alfabetização foi números atrasados de jornais, os únicos que conseguiam chegar até o local. A leitura das notícias de trabalhadores socialistas e de outros países da América Latina despertou em Chico Mendes o interesse pela causa do trabalhador.


A importância que Chico Mendes dava a escolarização era tamanha, que inconformado com o analfabetismo da população, criou um grupo e alfabetizou cerca de cinqüenta pessoas.


Esse trabalho teve que ser interrompido devido às pressões sofridas pelo prefeito e pelo padre, que alegaram a formação de um grupo de agitadores. Entretanto, quando foi criada a cooperativa agroextrativista, novamente a importância da alfabetização como forma de liberdade do homem voltou à tona com a primeira escola de alfabetização dos seringueiros. Foi criada a Poranga, cartilha elaborada com o apoio do Cedi, de universitários e professores. O nome da cartilha se deu porque poranga é a luz que o seringueiro usa na cabeça para caminhar na selva.


Sobre a pessoa de Chico Mendes, analisando sua luta, as opiniões são divergentes, uma vez que para alguns, a referência maior foi sua dedicação à preservação da natureza. Para outros, o destaque se deu no âmbito político, em defesa do trabalhador. Cita Júlio Barbosa, presidente do sindicato dos trabalhadores rurais de Xapuri:



No Brasil, existe um monte de ecologistas que defende a ecologia, mas defende da seguinte maneira: defende o verde, defende a não poluição das águas, defende a respiração do oxigênio puro. Mas em meio a esses ecologistas surgiu um que não foi formado em universidade nenhuma, que foi ecologista na prática, vivendo o dia-a-dia

( http://www.senado.gov.br/web/senador/marinasi/ch)



Chico Mendes casou-se com Ilzamar Mendes, em Xapuri, a 170 quilômetros de Rio Branco, no Acre, quando ela tinha 15 anos. Tiveram um casal de filhos: Elenira e Sandino.


A originalidade com que lutou a favor da justiça social e da preservação da natureza fez com que fosse reconhecido internacionalmente.


Homem simples, da floresta, conquistou a admiração de muitos, mas sua persistência e coragem atraíram desagrado e a ira de muitos, inclusive dos latifundiários e da UDR- União Democrática Ruralista. Para compreender como tudo ocorreu, é preciso conhecer um pouco da estrutura econômica.


2-FATORES ECONÔMICOS DA REGIÃO AMAZÔNICA


A economia da região apresenta características baseadas na extração de látex, onde a produção de borracha ocupa o primeiro lugar. Todavia, a falta de uma política de produção que envolve o comércio do produto causa muita polêmica.


Os seringueiros vivem de forma bastante modesta, ocupando casas construídas por eles próprios, que utilizam materiais da própria floresta. Quando questionado sobre sua proposta de preservação da Amazônia e ao mesmo tempo da necessidade de exploração dos produtos, Chico Mendes expôs seu pensamento a respeito:

Temos a castanha que é um dos principais produtos da região e que está sendo devastada pelos fazendeiros e madeireiras. Temos a copaíba, a bacaba, o açai, o mel de abelhas, uma variedade de árvores medicinais que até hoje não foram pesquisadas, o babaçu, uma variedade de produtos vegetais cuja comercialização e industrialização garantiria que a Amazônia, em dez anos, se transformasse numa região economicamente viável, não só para o país mas para o mundo. O que precisamos hoje é que o governo dê prioridade à industrialização desses produtos. (Entrevista realizada durante o 3º Congresso Nacional da CUT ( 9/9/88 )



3-UMA HISTÓRIA MAL CONTADA


Os índios eram considerados os legítimos donos da Amazônia, que a partir de 1877, começou a ser desbravada. Para isso, foram trazidos os nordestinos, que formaram um grupo semi-escravizado. Os nordestinos eram atraídos pela propaganda de que a borracha era uma mina e que logo retornariam a sua terra natal com bastante dinheiro.


Eram trazidos de navio até Belém, onde existia uma praça que funcionava como a sede principal dos seringalistas. Dali os nordestinos eram levados pelos "patrões" para a selva e não tinham como voltar.


Os seringalistas pertenciam a grupos mantidos por entidades internacionais e possuíam uma determinada área. A produção da borracha era marcada como forma de controle de cada lote. Esses nordestinos foram explorados pelos seringalistas, chamados "patrões", que preparavam o nordestino para lutar contra os índios.


Os banqueiros internacionais, interessados na borracha da Amazônia, também faziam parte desse grupo contra os índios. Assim se inicia o conflito entre índios e brancos.Muitos grupos tribais foram massacrados. Com o fim do monopólio estatal da borracha, na década de 70, implantou-se o sistema latifundiário.


Chegam os fazendeiros do sul que espalham centenas de jagunços pela região, queimando barracos, matando pessoas, expulsando posseiros e índios. Em pouco tempo, a região estava sendo transformada em um enorme pasto.


4-O POVO COMEÇA A SE ORGANIZAR


Começa a nascer a consciência entre as pessoas, e os grupos iniciam uma organização. O processo é lento, a falta de esclarecimento é grande e impede que se agilizem ações mais rápidas. Mas junto com a Igreja Católica, são organizados os primeiros sindicatos rurais.


A região perdia a passos largos seus recursos naturais. Em cinco anos aproximadamente, castanheiras, árvores de madeira de lei e árvores medicinais foram destruídas pelo fogo e pelas motosserras. Era preciso agir com mais rapidez.


Desde a década de 70, os seringueiros mudavam-se para a capital do Acre, engrossando o cinturão de miséria. Via-se miséria, tráfico de drogas, prostituição e toda sorte de problemas, enquanto isso, na floresta, o solo era castigado, ficando improdutivo. Os projetos com recursos do exterior se ampliavam.


5-A ORIGINALIDADE DA LUTA


Um dos fatores que mais repercutiu na imagem de Chico Mendes foi a sua forma de organizar as lutas para combater a devastação da terra. Em 10 de março de 1976, para evitar que uma área fosse devastada, foi feito uma "trincheira" na selva.



(...) fazíamos um cordão de mãos dadas e cercávamos a área que estava sendo desmatada, não deixávamos os caras entrar e desmontávamos os seus acampamentos. Ninguém ia armado, quer dizer, tínhamos duas ou três pessoas armadas mas com a firme recomendação de só agir nas últimas conseqüências, no caso de estarem matando alguém.
Nosso objetivo era tentar convencer os peões a ficar do nosso lado. E sempre conseguíamos a adesão. Agora, quando a polícia chegava, esses mesmos peões eram obrigados a ficar contra nós. Lembro de umas quatro vezes em que a gente foi preso e ficamos lá deitados no chão e eles batendo na gente e depois, todos ensangüentados, nos jogavam no caminhão, com muita gente junta, começávamos a cantar os hinos da Igreja. Chegávamos na delegacia, mais de cento e tantos homens, não tinha lugar para alojar todo mundo e ficávamos pelos corredores. A polícia cercava o prédio e, por fim, tinham que nos liberar. (idem).



Surge em 1980, o famoso "empate" que consistia em formar um mutirão de pessoas que se colocavam diante dos peões, impedindo assim que avançassem no desmatamento. Participaram do movimento homens, mulheres e crianças. As crianças eram colocadas como escudo, evitando que os pistoleiros atirassem.


Nessas ocasiões, Chico Mendes e outros representantes conversavam com os peões, que por muitas vezes passaram a ficar do lado do movimento. Entretanto, os fazendeiros contratavam a polícia, que agia sem piedade. Muita pancadaria e muitas prisões foram efetuadas.


Em 1982, Chico Mendes se lança candidato a Deputado Estadual pelo PT. Em outubro de 1985 ocorre o Primeiro Encontro Nacional de Seringueiros em Brasília. Desse encontro participaram observadores nacionais e estrangeiros. Índios e seringueiros se uem em busca de propostas. Essa união fortificou o sindicato.


A situação foi denunciada por Chico Mendes, quando participou de reunião do BID-Banco Interamericano de Desenvolvimento, em Maiame, no ano de 1987.Ele falou do desmatamento como conseqüência dos projetos financiados pelos bancos internacionais, e conseguiu sensibilizar o Congresso Americano. O banco suspende o resto do desembolso para o asfaltamento da estrada, o que representou grande avanço do Conselho Nacional dos Seringueiros e nas propostas dos índios.


Chico Mendes recebeu vários prêmios e reconhecimentos nacionais e internacionais pela defesa da ecologia.


6- PERSEGUIÇÃO E RESISTÊNCIA


Em 1977, Chico sendo vereador, recebe as primeiras ameaças vindas dos fazendeiros. Seu partido político- MDB- não é solidário às suas lutas. Em 1979, a Câmara Municipal serve de local para debates entre lideranças, o que não agradou a diversas autoridades do governo.


Chico Mendes é enquadrado na Lei de Segurança Nacional em 1980, e no ano seguinte é acusado de insitar a violência entre os posseiros. Foi julgado no tribunal Militar em Manaus. Todavia, foi absolvido.


O ano de 1988 assistiu a uma série de atos violentos e assassinatos. Os crimes não eram apurados e a insegurança tomava conta do local. Com tantas perseguições e ameaças, não foi difícil Chico Mendes e as pessoas que com ele conviviam prever que algo de ruim iria acontecer.


7-CHICO PREVÊ A PRÓPRIA MORTE E PEDE SEGURANÇA


Um dia Chico Mendes afirmou:



Se descesse um enviado dos céus e me garantisse que minha morte iria fortalecer nossa luta até que valeria a pena. Mas a experiência nos ensina o contrário. Então eu quero viver. Ato público e enterro numeroso não salvarão a Amazônia. Quero viver.



O governador colocou dois seguranças para acompanhar Chico Mendes, que menciona sua preocupação e denuncia a situação no Jornal do Brasil



Minha segurança ultimamente foi reforçada no Acre por decisão do governador Flaviano Melo. Ele sabe que meu assassinato vai
complicar a situação do Estado. Não que a morte de seringueiro no Acre seja novidade. Mas é que nosso movimento tornou-se conhecido mundialmente. Principalmente junto às autoridades do Banco Mundial, do BID e do Congresso Americano. Ora, não se bate de frente nessas entidades. Hoje minha vida passa pelos policiais da PM. Tenho tido uma relação amigável com os meus 'seguranças'. Eu tenho consciência de que todas as lideranças populares nesses últimos dez anos- advogados, padres, pastores, líderes sindicais - todos eles foram mortos mesmo com garantia de vida do governo. Não precisa nem citar exemplos, pois eles estão vivos na memória de todos. Tenho esperança de continuar vivo. É vivo que a gente fortalece essa luta. De parte do governo do Estado não tenho por que temer. Pelo contrário. Agora, por outro lado, eu estou diante de dois inimigos poderosos: a UDR e a Polícia Federal do Acre.(Jornal do Brasil-09/12/1988).



Apesar de seus apelos, e da segurança oferecida pelos dois policiais militares, Chico Mendes foi assassinado com um tiro de escopeta, quando estava no quintal de sua casa, no dia 22 de dezembro de 1988. Chico Mendes deixou sua esposa Ilzamar e dois filhos menores.

Ao saber do crime - que ganhou repercussão internacional -, Ilzamar abraçou os filhos pequenos, então com 4 e 2 anos, e foi até o local do crime. "O choque foi grande", lembra ela, que perdeu noites de sono e emagreceu quase dez quilos nos meses seguintes. Foi com os filhos que ela encontrou forças para dar a volta por cima. "Era uma espécie de mãe e pai e não podia abandoná-los naquele momento", diz.

Mas também não deixou para trás as causas do marido, conhecido em todo o mundo como defensor dos povos da floresta amazônica. Cinco dias depois da morte, começou a erguer a Fundação Chico Mendes, de defesa do meio ambiente, que preside.

Desde a morte do marido, Ilzamar se empenhou em lutar pela punição dos assassinos. "Só

sosseguei quando eles foram presos", diz, referindo-se a Darci e Darly Alves da Silva.

( http://www.terra.com.br/istoe/semana/138718.htm)


8-CONSIDERAÇÕES FINAIS

Lembrando as palavras de Euclides Fernando Távora, mestre de Chico Mendes: "(...)hoje os trabalhadores estão sendo rechaçados, mas por maior que seja o massacre sempre existirá uma semente que renascerá"*



Apresentamos a seguir trechos de documentos e notícias sobre o homem simples, o brasileiro da floresta, que tornou-se imortal pela sua luta e que acreditou que podemos fazer deste um mundo muito melhor.


Lembrando ainda as palavras do próprio Chico Mendes: "Se descesse um enviado dos céus e me garantisse que minha morte iria fortalecer nossa luta até que valeria a pena." * Essa fala não carece comentários, pois fica na compreensão de cada um analisar o que foi a vida de Chico Mendes, e perceber que ele semeou muito mais que árvores e foi além do solo da terra. Ele encontrou a fertilidade no coração de muitos homens, mulheres e crianças.


Os autores

MONTEIRO, Clenaldo Freire; MONTEIRO,Denise Schulthais dos Anjos. A saga de Chico Mendes. Fevereiro/2001.

denise1@ieg.com.br

c-monteiro@ieg.com.br

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ISTO É- Nº 1578 – 29 de dezembro de 1999

Jornal do Brasil-09/12/1988

http://www.senado.gov.br/web/senador/marinasi/chicomendes3.html

http://busca.zaz.com.br/cgi-bin/AT-IstoEGentesearch.cgi

http://www.terra.com.br/istoe/semana/138718.htm

http://busca.zaz.com.br/cgi-bin/AT-

* http://www.senado.gov.br/web/senador/marinasi/chicomendes/



ANEXOS


ISTO É

Nº 1578 – 29 de dezembro de 1999

Chico Mendes


Todo nativo da floresta amazônica acredita piamente na existência do Curupira, um homenzinho com os pés voltados para trás que protege as árvores e os animais. Antes fosse verdade. Desde meados do século passado, quando o ciclo da borracha enriquecia os bolsos europeus, o desmatamento na região vem aumentando a cada ano. Os últimos dados são catastróficos: 12,5% da floresta amazônica já foi destruída pelas queimadas, extração de madeira e garimpos. Mesmo sendo a preocupação de dezenas de ONGs espalhadas pelo mundo, no Brasil, a devastação da Amazônia não tira o sono do governo. Só de alguns poucos ecologistas e líderes seringueiros. O acreano de Xapuri Chico Mendes era um deles, mas sua atuação, embora intensa, durou pouco. Aos 44 anos, foi vítima do descaso brasileiro com as questões ecológicas e da certeza da impunidade que reina fora dos grandes centros. Em 1988, o ganhador do prêmio Global da ONU foi assassinado a mando do fazendeiro Darly Alves da Silva e protagonizou um dos episódios da nossa história recente de maior repercussão internacional. Nem depois da tragédia a fiscalização governamental melhorou. No entanto, a luta de Chico Mendes não foi em vão. Graças a ele, cinco reservas extrativistas foram criadas em 150 mil hectares de floresta.

MARINA SILVA

Nas atividades da Comissão Pastoral da Terra (CPT), conheceu Chico Mendes, então presidente do Sindicato dos Seringueiros de Xapuri. Juntos, fundaram a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e coordenavam movimentos junto às comunidades eclesiais de base da Igreja Católica. Analfabeta até os 16 anos, quando chegou em Rio Branco, capital do Acre, Marina Silva costuma citar um versículo bíblico extraído das cartas de São Paulo aos Coríntios para explicar como alcançou o atual patamar político. "Sou um vaso de barro nas mãos de Deus e não dá para não acreditar que Deus esteja no meio disso tudo", diz. Ela é a terceira filha de onze irmãos que nasceram no seringal Bagaço. Viu três irmãos, um primo, a avó e uma tia serem dizimados pelas doenças endêmicas. Agora ela briga com peixe graúdo. O líder do PMDB, senador Jader Barbalho (PA), minou sua tentativa de batizar o nome do aeroporto acreano para Aeroporto Internacional Chico Mendes. Sua proposta, apresentada em 1998, foi apoiada por dezenas de entidades não-governamentais nacionais e estrangeiras, ligadas ao meio-ambiente.


MEIO AMBIENTE


Chico Mendes, ainda

Marina Silva de Souza pensou ter chegado longe demais ao conquistar, aos 36 anos, uma cadeira no Senado nas eleições de 1994. Agora, aos 38, a senadora eleita pelo Acre tem o seu nome reconhecido internacionalmente: na segunda-feira 22, ela foi anunciada como uma das ganhadoras do Prêmio Goldman de Meio Ambiente, dado pela Goldman Enviromental Foundation, de São Francisco (EUA). Na década de 80, Marina Silva começou a trabalhar na organização pacífica de seringueiros contra a devastação da Amazônia, ao lado de Chico Mendes. Depois do assassinato do sindicalista, em 1988, ela conseguiu transformar em reserva ecológica 1,9 milhão de hectares de terras no Acre. O Prêmio Goldman de Meio Ambiente é uma iniciativa de Richard Goldman e de sua mulher, Rhoda, herdeira da Levi Straus. Chico Mendes (e sua morte) continua rendendo alto: o Prêmio da senadora é de US$ 75 mil.( http://www.terra.com.br/istoe/semana/138718.htm)

Jorge Viana
Conseguiu parcerias com os governos da Alemanha e Costa Rica, que vão abrir novos mercados para os produtos da floresta acreana

Como centro de uma poderosa rede do narcotráfico, o Acre foi notícia durante o ano. Enquanto a população se assustava com os horrores cometidos por chefões da indústria da droga, o governador Jorge Viana, 40 anos, arregaçou as mangas para colocar o Estado num outro pódio. O Acre passou a ser referência de que é possível crescer economicamente tendo o meio ambiente como aliado. Ele ganhou o respeito dos ambientalistas e despertou o interesse de investidores estrangeiros. Já tem programadas para o ano 2000 parcerias com os governos da Alemanha e Costa Rica. Viana é o governador brasileiro que aprendeu e colocou em prática as lições deixadas por Chico Mendes. "Chico Mendes me ensinou que o desenvolvimento racional e sistemático é a resposta para os problemas", lembra. Em maio, Jorge Viana incluiu mais um título a sua biografia, quando recebeu da rede de televisão CNN e da revista Time o prêmio "Líderes da América Latina para o Novo Milênio". Foi o reconhecimento pela defesa do meio ambiente, luta iniciada nos anos 80 pelo seringueiro Chico Mendes, assassinado em 1988. Viana foi eleito dez anos depois. No primeiro mês de governo, conseguiu aprovar a Lei Chico Mendes. Através dela, o governo paga R$ 0,60 por quilo de borracha natural extraída. Isto representa 70% a mais do valor de mercado do produto. "Quero perpetuar as idéias de Chico Mendes", diz. (C.C.)

Caso chico mendes: parecer contrÁrio ao livramento condicional de darly alves de souza

José Elaeres Marques Teixeira - PRR/1ª Região

CONSELHO PENITENCIÁRIO DO DISTRITO FEDERAL

Procedimento n.º 333/000 -- Classe A -- N.º 120/00

Interessado: DARLY ALVES DA SILVA

Conselheiro-Relator: JOSÉ ELAERES MARQUES TEIXEIRA

RELATÓRIO

O Diretor-Geral do NPSA encaminha relatório carcerário de DARLY ALVES DA SILVA, para fins de comutação de pena e livramento condicional.

(...)

2. O interessado se encontra condenado a 31 anos de reclusão, pela prática de dois homicídios qualificados. O primeiro crime ocorreu em 29 de junho de 1973, em Umuarama-PR, quando foi morto ACIR URIZI. A decisão do Tribunal do Júri, neste caso, foi proferida em 17 de agosto de 1996, quando o interessado foi apenado com 12 anos de reclusão, pela incidência penal do art. 121, § 2o, incisos I e IV, c/c o art. 29, do CP (fl. 29), pena esta a ser cumprida em regime fechado. Em razão de apelação que interpôs, sobreveio acórdão da 2a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, datado de 10 de fevereiro de 2000 (fls. 30/37), que confirmou o decisum, tendo transitado em julgado em 03 de abril de 2000 (fls. 38).

3. O segundo crime praticado pelo interessado data de 22 de dezembro de 1988, tendo sido vítima o ambientalista CHICO MENDES. Neste caso, foi apenado com 19 anos de reclusão, por infração ao art. 121, § 2o , incisos I e IV, c/c o art. 29, do CP. O decisum transitou em julgado em 31 de maio de 1993. O regime de cumprimento da pena foi estabelecido como sendo o fechado.

4. Consta do relatório carcerário que o interessado foi preso em 09 de janeiro de 1989. Evadiu-se da prisão em Xapuri/AC em 15 de março de 1993, tendo sido recapturado em 30 de junho de 1996. Na data de 03 de julho de 1996 passou a cumprir pena no CIR, e, em 20 de maio de 1999, foi transferido para o NCB. Atualmente, está recolhido no NPSA.

5. Durante o tempo em que esteve foragido, o interessado passou-se por FRANCISCO MATIAS DE ARAÚJO¸ usando documentação falsa, inclusive para obtenção de empréstimo junto ao Banco da Amazônia, através do Fundo de Financiamento do Norte - FNO. Em razão desses fatos, está sendo processado perante a Vara Federal em Santarém/PA, como incurso no art. 299 do CP e art. 19 da Lei n.º 7492/86 (fls. 18/26).

6. Por decisão do MM. Juiz da VEC/DF, o interessado foi transferido para o regime semi-aberto em 13 de maio de 1999, com direito a trabalho externo. Em novembro último recebeu o benefício de saídas temporárias.

7. Em 25 de dezembro de 1999 havia cumprido 08 anos, 05 meses e 01 dia. E, em 30 de maio último, completou 08 anos, 10 meses e 06 dias de pena cumprida. Tem 568 dias trabalhados, o correspondente a 189 dias para fins de remição.

8. Segundo ainda o relatório carcerário, o interessado está trabalhando na prisão através do convênio FUNAP/DER. Não tem elogios nem punições. Está classificado no bom comportamento.

9. É o relatório.

VOTO

10. O interessado não preenche o requisito do art. 3o, inciso II, do Decreto n.º 3226/99, para ser beneficiado com a comutação de pena. Com efeito, estabelece esse dispositivo que constitui requisito para a comutação não estar -- na data de 25.12.99 -- o condenado sendo processado por "outro crime praticado com violência contra a pessoa". Pois bem. Em 25.12.99 o interessado respondia a processo penal, em grau de recurso, ainda, pelo crime de homicídio qualificado, praticado em Umuarama/PR, como ficou consignado acima.

11. Quanto ao livramento condicional, é de se anotar, de início, que a condição do interessado é de reincidente, razão pela qual deve ter cumprido metade da pena, nos termos do inciso II do art. 83 do CP, para o gozo do benefício.

12. De fato, quando já havia contra si uma sentença condenatória transitada em julgado, no caso, pela morte do ambientalista CHICO MENDES, veio ele a cometer outros crimes dolosos (art. 299 do CP e art. 19 da Lei n.º 7492/86), entre 1993 e 1996, período em que se encontrava foragido.

13. Poder-se-ia, na hipótese, afirmar que por esses crimes o interessado ainda não foi condenado, havendo apenas processo em andamento, daí, então, não se poder admitir que é reincidente.

14. De fato, o interessado ainda não foi condenado por esses crimes. Porém, o não advento de sentença por esses crimes não significa que não seja ele reincidente. Veja-se: a reincidência não se dá em razão de sentença por crime praticado após sentença condenatória transitada em julgado por crime anterior, mas, sim -- e esta é a dicção do art. 63 do CP --, "quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior".

15. Diante do texto legal, a conclusão que se pode chegar é que o ato de reincidência coincide com o novo ato criminoso, e não com a sentença que o reconhece. Assim, a sentença que vier a condenar o agente limitar-se-á a declarar a sua reincidência, aplicando a agravante que disso decorre.

16. Destarte, o fato de ainda não haver sentença condenatória nesse novo processo a que responde o interessado não significa que, aqui, para efeito da apreciação do livramento condicional -- que é o que interessa -- não se deva admitir a sua reincidência, porque reincidente é.

17. Poder-se-ia argumentar que o Juiz da Execução não tem competência legal para dizer se o interessado é reincidente ou não. Tal argumento, porém, não se sustenta. O Juiz da Execução é quem tem competência para decidir sobre o livramento condicional e, no limite dessa competência, insere-se o reconhecimento da primariedade ou reincidência do interessado, que são elementos determinantes na concessão ou não do benefício.

18. Ora, no caso, não é possível que se reconheça a primariedade do interessado, porque há um registro de prática, por ele, de novos delitos após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. E, veja-se, não é qualquer registro, mas sim uma denúncia em processamento, acompanhada de confissão judicial. Portanto, não há como admitir-se a sua primariedade, já que a reincidência decorre, repita-se, da prática de novo crime, e não da sentença que vier a condená-lo por isso.

19. Superada essa questão, vejamos, então, se o interessado cumpriu o mínimo legal exigido para o livramento condicional.

20. Conforme já ficou consignado acima, o interessado está definitivamente condenado a 31 anos de reclusão, pela prática de dois homicídios qualificados. Desse quantum de pena, cumpriu 08 anos, 10 meses e dias. Isso significa que não atingiu o mínimo legal de pena cumprida, pois metade de 31 anos de reclusão corresponde a 15 anos e 06 meses.

21. Por essas razões, não tem direito também ao livramento condicional.

22. Nota-se, por fim, do próprio relatório carcerário, que ainda não foi computada a condenação de 12 anos de reclusão, que transitou em julgado recentemente. Assim, penso que este Conselho Penitenciário -- diante dos documentos que instruem o presente procedimento, que dão conta de que essa nova condenação, de fato, já transitou em julgado, e dos arts. 111 e 118 da LEP --, deva manifestar-se também no sentido de que o interessado seja regredido do regime semi-aberto para o regime fechado.

23. Em face do exposto, opino no sentido do indeferimento da comutação da pena e do livramento condicional e de que se aconselhe a transferência de DARLY ALVES DA SILVA do regime de cumprimento de pena semi-aberto para o fechado.

Brasília, 13 de junho de 2000.

JOSÉ ELAERES MARQUES TEIXEIRA

CONSELHEIRO-RELATOR

(http://busca.zaz.com.br/cgi-bin/AT-)

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